Piratini: dos sonhos ao sangue derramado pelos campos do Rio Grande.



Piratini 
 Primeira Capital da República Rio-Grandense


Saímos de Pelotas numa manhã chuvosa e rumamos para Piratini, onde éramos aguardadas na Secretaria de Turismo e pelo grupo de artes EncenAção Piratini. Com a chuva a estrada pareceu um tanto mais longa, mas logo ela se mostrou no horizonte. Lá estavam suas ruas de paralelepípedo, suas casas centenárias e sua história, que parece derramar-se pelas ladeiras.

Povoamento formado inicialmente por 48 casais açorianos (casais Del Rey), rapidamente se desenvolveu fomentado pela criação de gado. Da instituição do povoamento em 1789, recebendo o título de Freguesia em 1810 e de Vila, em 1832. Quando alçada a Capital Farroupilha, passou a município. Uma das primeiras construções ainda se mantém firme e forte, a Casa de Camarinha - 1789.


Quando recebeu os revolucionários já contava com a Igreja Matriz, com a Fábrica de Cerveja Lucindo Manoel de Brum, com uma Fábrica de Pólvora e Foguetes e, especialmente, com o Teatro Sete de Abril. 

Teatro Sete de Abril - 1830


Hoje ao olharmos aquela pequena cidade e seus campos, por onde correm soltos bovinos de origem europeia, ovinos, vinhedos e olivais se encarreiram pampa adentro, não se imagina o quanto desenvolvida e politizada era há quase duzentos anos. Se os Farrapos tomaram Porto Alegre em 20 de setembro, em 8 de outubro cerca de 100 homens já marcharam em nome da República pelas ruas da Vila de Piratini.

Com a força dos revolucionários, que acuaram os legalistas na cidade e arredores de Rio Grande, Piratini passou a ter grande importância estratégica. Muitas batalhas se desenvolviam nas redondezas, até que os Farrapos sob o comando do Coronel Neto vencem umas das mais importantes batalhas da Revolução Farroupilha, a do Seival. Animados pela conquista, já na manhã seguinte, proclamam a República Rio-Grandense. Convencidos de que a República precisava de uma sede e contando Piratini com localização privilegiada e prédios suficientes para abrigar o comando farrapo e seus soldados, em 11 de novembro de 1836 é a cidade elevada a Capital.

Nomes como Coronel Neto, General Bento Gonçalves, Domingos José de Almeida, Luigi Rossetti e Garibaldi foram alguns dos que fixaram residência em Piratini.

Ali, na casa onde residiam Rossetti e Garibaldi, foi fundado o Jornal "O Povo", já em 1838. Hoje, na fachada dessa mesma casa, vemos um brasão do exército brasileiro. Quase como uma pegadinha histórica, a casa de um dos maiores revolucionários que essas terras conheceram, Garibaldi, é sede do Ministério do Exército. Bom, ainda que de um exército republicano. 


Enquanto sonhos eram sustentados nos campos de batalha, na cidade o comando revolucionário se mantinha organizado e bem protegido. Naquele cerro as paredes largas de casas e sobrados davam abrigo, permitiam que entre uma batalha e outra os revolucionários tivessem uma vida familiar. 
Casa de Vicente Lucas de Oliveira (1830) - Ministro da Justiça
Casa de 1821

A sede do Governo permanece ali, de pé, com sua beleza e força arquitetônica, como testemunho da história. O Palácio do Governo é um exemplar único da arquitetura colonial. 



Em seu pátio uma cisterna da época, onde a armazenagem da água da chuva, somada a provisão de alimentos em seu porão, garantiria a sobrevivência mesmo em caso de demorado cerco pelos legalistas. O antigo fogão ainda conta com uma chaminé um tanto diferente, de sete bocas, em estilo árabe. 


As batalhas se sucediam, os legalistas faziam crescer sua força sobre os revolucionários que, estrategicamente, resolvem que em 1839 a nossa capital seria Caçapava do Sul. Deixam Piratini sem certezas, mas retornam em 04 de maio de 1943 e a ela restituem o título de Capital, agora já de uma República cansada e abatida.

Apenas três dias após o acordo de Paz de Poncho Verde ter sido assinado, Piratini perde o titulo de município, voltando a ser uma Vila, agora condenada ao degredo. Por muitos anos foi penitenciada por ter abraçado a causa revolucionária, tendo grandes fatias de seu território desmembradas para a formação de novos municipios, além de ter permanecido à margem dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento. Empobrecida pelos rebanhos aniquilados ou apropriados pela Coroa como espólios de guerra, pela perda de mão de obra jovem nos campos de batalhas e pela perseguição politica, somente com a instituição da República reinicia seu ciclo de desenvolvimento, mas sem as riquezas de outrora.

Foi a Primeira Capital Farroupilha e a última morada do sonho revolucionário.

Hoje é um município com forte veia histórica, com uma arquitetura muito bem preservada, instituições focadas no desenvolvimento turístico e muito para se ver num eixo geográfico tão reduzido.

Fui surpreendida por Piratini, pela acolhida e pelas riquezas humanas e arquitetônicas que encontrei em suas ruas. Pensam que é só isso que tenho para contar? Claro que não. 

A chuva que nos acompanhava nas estradas atrapalhou um pouco a recepção que havia sido preparada, mas não o suficiente para que não ficássemos encantadas. 

Chegamos na Secretaria de Turismo passava um pouco do meio-dia, pois a chuva fez o caminho parecer mais longo, mas Eliane nos esperava sorridente. Nada como ser bem recebida, né? Condutora de turismo e uma entusiasta dos meios de desenvolvimento alicerçados na cultura, nos conduziu pelas dependências do sobrado, que outrora foi sede do governo revolucionário, o Palácio do Governo. 


Ao andarmos pelos espaços éramos surpreendidas por pequenos esquetes, trechos das apresentações do grupo de artes EncenAção Piratini. 

Como a cidade possui muito de sua arquitetura absolutamente preservada, com muitas das casas que abrigaram os revolucionários ainda hoje habitadas, as apresentações costumam ganhar as ruas, com os atores entrando e saindo das antigas moradias. A chuva não permitiu, mas as dependências do antigo sobrado ganharam vida e muitas cores. 



Botas, esporas e vozes deram vida aqueles espaços. 



Soldados, lanceiros, mulheres, Caetana e Bento Gonçalves. Todos entrando e saindo, vivos em suas histórias e nos ideais que ainda nos emocionam. 


A cidade e seus moradores tem orgulho de terem sediado uma das primeiras experiências republicanas da América Latina e lutam para não apenas preservar o conjunto arquitetônico, mas em lhe dar vida através da história. 

O City Tour Temático é realizado pelo grupo EncenAção Piratini, que percorre ruas centenárias e os antigos casarões, enquanto recriam cenas cotidianas da época. Os visitantes se misturam e tem a oportunidade de viver um tanto da história. Nessa cena a sobrinha do General Bento Gonçalves, a Manoela eternizada na minissérie global A Casa das 7 Mulheres, lê junto a janela.

A organização é de Silvia Valeria, que reuniu um grupo de apaixonados, atores e atrizes amadores. Nas oficinas apreendem e aprimoram as técnicas e pelas ruas e casas encantam os espectadores com sua arte. 

Os Lanceiros Negros são um capitulo único de nossa história. Escravos e libertos que foram chamados a lutar em nome da República, com a promessa da abolição da escravatura em caso de vitória. Soldados fortes, acostumados a sobreviver com muito pouco, conhecedores das lidas campeiras e acostumados ao lombo dos cavalos, que montavam a moda charrua - em pelo, sem encilhas. Ao contrário dos demais soldados e comandantes, não usavam fardamento, apenas um chiripá simples, um colete e a bandana vermelha, cor simbolo da luta farrapa. Não usavam encilhas, fardamento e estavam acostumados as intempéries e a uma vida muito simples, eram soldados muito baratos, afinal. Responsáveis por grandes vitórias nos campos de batalha, foram traídos e praticamente dizimados ao final da guerra. Os sobreviventes foram libertos e incorporados ao exército Imperial, conforme cláusula inserida no acordo de Ponche Verde. Um capitulo de nossa história que atravessou décadas escondido pela força do racismo, mas que desabrochou para a história nos últimos anos. 

Fiquei emocionada ao ver o Eduardo representando, com tanto orgulho, um jovem lanceiro. 

Após a encenação especial tivemos a oportunidade de conversar com o grupo, que relatou o quanto o trabalho é bem recebido pelos turistas, muitos estrangeiros e alguns que buscam ali saber mais de suas raízes. 

Queríamos conhecer tudo. Ainda no Palácio do Governo fomos conduzidas ao Museu Histórico Barbosa Lessa, onde aos poucos o acervo cresce e se preserva a história. Tivemos a companhia da Eliane e da Francieli, essa atriz e guia de turismo. Encantador e bem organizado. 




Incansáveis, partimos para a Linha Farroupilha. 

A chuva deu uma trégua e aproveitamos, mesmo sem almoçar, para ganhar as ruas históricas da cidade. Eliane, gentilíssima, nos acompanhou e foi contando um pouco da história de cada ponto de parada. Ela é condutora de turismo na associação Jovem Tur

Foi gostoso contar com sua companhia e partilhar de seu conhecimento, mas a Linha é tão organizada e bem sinalizada que permite que ao chegar no ponto de partida o turista possa percorrê-la, sem auxilio. 


Possui pontos de saída e chegada, sinalizados e com mapa informativo acerca da rota e suas paradas. 



Os 800 metros são percorridos a pé, bastando se guiar pelos brasões com lanças que apontam a direção e que estão fixados nas calçadas. 

Ao chegar em cada ponto de interesse, leia a designação e olhe para onde a lança aponta. 

As construções importantes, além da seta indicativa, terão uma placa, contando um pouco de sua história ou um fato relevante. 





A residência do Major Pantaleão Medicis da Silveira, de 1887. 



Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição - 1814, uma testemunha dos dias republicanos vividos por Piratini.


E não é que a criatura que não bebe tem antepassados que produziam cerveja? Pronto, entrei na brincadeira! 


O legal de contar com uma guia é que ela vai narrando outras histórias, que nem sempre se enquadram em placas. Amei as histórias do Comendador Moreira Fabião, suas esposas e suas casas. 





A sede do Ministério da Guerra ocupou o sobrado construído em 1819, onde hoje está instalado o Museu Histórico Farroupilha.



Ufa, foi um passeio delicioso, mas tínhamos que seguir viagem. As horas tinham passado rápido e saborosas, mas a fome começava a avisar que passava da hora do almoço. Deixamos os fartos pratos de lado, optamos por um lanche típico da cidade e amamos. A trança de calabresa estava deliciosa! 



Informações:

1. Guias de Turismo: contamos com a recepção das duas guias de turismo credenciadas de Piratini, Eliane Peroba e Francieli Domingues. O telefone de contato é: 53.99618127. 

2. City Tour Temático - Grupo de artes EncenAção: as apresentações são feitas aos finais de semana e feriados, mediante agendamento prévio e grupo de 20 interessados (o número pode ser negociado), ao custo de R$ 20,00 por pessoa. O contato pode ser feito pelo fone 53.32573278 ou no e-mail grupodeartesencenacao@hotmail.com.

3. Museu Histórico Barbosa Lessa: fica no interior do Palácio do Governo e abre de terça a sexta, das 9 às 11h30min e das 13h30min às 17h. Aos sábados e domingos, das 14 às 17h. 


A viagem #RotaFarroupilha é um projeto do Territórios e do As Peripécias de uma Flor, em parceria com os blogs Café Viagem e Mochilinha Gaúcha, que contou com as participações especiais de Andarilhos do Mundo e da jornalista Criz Azevedo. O roteiro teve o apoio de empresas regionais como BC&M Advogados e Agropecuária Sallaberry, além do suporte do Sebrae Costa Doce e de algumas secretarias de turismo. A viagem usou como base o Caminho Farroupilha elaborado pelo Sebrae RS e oferecido, como pacote turístico, pela Tchê Fronteira Turismo, de Bagé/RS. 






Índice das postagens da #RotaFarroupilha:

São Lourenço - 2ª parte: Sitio Flajoke e Fazenda do Sobrado (a Casa das 7 Mulheres)





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