#RotaFarroupilha, em São Lourenço do Sul: Sitio Flajoke e Fazenda do Sobrado.


São Lourenço do Sul nos recebeu chuvosa, o que impediu que fizéssemos o passeio de Escuna pelas suaves águas da Lagoa dos Patos. Por outro lado, nem só das águas vive a cidade, que abriu seu leque de opções ao nos receber. 



Durante os meses quentes de verão a pequena cidade se transforma, recebe veranistas de todos os cantos, que buscam nas praias de águas doces e serenas o descanso merecido. Ideal para prática de sup e para o banho das crianças, que podem se divertir sem os riscos próprios do mar ou das correntezas dos rios, tem seus visitantes fiéis. 

Uma orla bem cuidada, hotelaria satisfatória e boa gastronomia se encarregam da propaganda - contei um pouco de nossa experiência aqui. Mas, saindo das águas e da mesa, há o que explorar na via histórica e cultural. 

Colonizada por diversas etnias, foi se formando cheia de facetas, que se interligam e encantam. 

Cedinho fomos conhecer a Flajoke, uma das empresas integrantes da rota Pomerana e responsável por parte do artesanato da associação "Bichos do Mar de Dentro", que exalta a fauna da região e é vendido em lojas como a da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Os animais silvestres são o carro chefe da associação, que leva o nome pelo qual a região lagunar da Costa Doce ficou conhecida - mar de dentro: as lagunas invadidas, de tempos em tempos, pelas águas do mar. 


O casal José Carlos e Flávia nos recebeu em sua residência, onde conversamos sobre o projeto, as dificuldades, os detalhes da fabricação, o aprimoramento das técnicas ao longo dos anos e o que desejam para o futuro. Eles integram o núcleo na associação da cidade e são os responsáveis pelos animais silvestres elaborados com a técnica de biscuit. 




Os pequenos são vendidos como bibelôs, móbiles e jogos de tabuleiro. Já os conhecia, mas fiquei ainda mais encantada ao descobrir detalhes dos novos projetos. Quero-queros, biguás e cardeais são graciosos. 



Algumas peças foram produzidas na hora, para que pudéssemos observar a técnica de elaboração e de acabamento.



Como partir sem uma recordação? Impossível! Esse pequeno jogo veio para colorir minha casa. 


A rota Caminho Pomerano não foi incluída em nosso percurso por demandar um grupo mínimo para o prévio agendamento. É um projeto que tenta organizar o grupo de descendentes de Pomeranos que imigraram para a região e que mantém vivos, ainda hoje, costumes e dialeto pomerano (uma variedade do plattdeutsch). 

A Pomerânia, formada por povos eslavos e que teve seu território dividido entre Alemanha e Polônia, deixou de existir. A língua se perdeu, mas não entre os grupos que imigraram para o Brasil no século XVIII. Ainda falada por alguns descendentes em Pomerode/SC, é no interior do município de São Lourenço que se encontra mais preservada e onde é, efetivamente, o idioma regular de uma comunidade. O Caminho Pomerano se propõe a mostrar um tanto dos costumes desse povo, quando cada uma das famílias envolvidas apresenta uma das facetas para o visitante de forma teatralizada - como exemplos cito o Convidador e a Noiva de Preto. 

Como nos foi explicado na Flajoke, uma das casas do Caminho, o Convidador era normalmente o irmão mais novo da noiva, que nos meses que antecediam o casamento viajava, passando de casa em casa, convidando para a festa. Para cada família que aceitasse o convite era pregado em sua capa uma fita colorida, sendo motivo de extrema felicidade e de orgulho seu retorno ao lar com as vestes absolutamente coloridas. Se por um lado havia a alegria, por outro a dor de um povo pobre em uma sociedade feudal. Na Idade Média as noivas pomeranas não perdiam a virgindade com o escolhido após a cerimônia, mas com o Senhor Feudal, a quem tinham que se submeter - ali nascia a Noiva de Preto, forma encontrada pelas famílias para demonstrar sua dor e revolta ao entregarem as filhas para serem usadas pelos Senhores. 

Num percurso que leva entre 4 e 6 horas a comunidade se propõe a contar essas e muitas outras histórias, dar a conhecer um pouco de sua gastronomia e outros costumes, que se mantém muito preservados em vista do núcleo ter se mantido bastante fechado por séculos. Bateu a curiosidade? Já está em meus planos para um futuro bem próximo. 

Seguimos nosso caminho, pois nos esperavam na Fazenda do Sobrado


Hoje uma fazenda de trezentos hectares e que trabalha com turismo rural, pecuária e agricultura, mas na origem uma Estância parte das sesmarias de Anna Joaquina, a Don'Anna, irmã do General Bento Gonçalves. Contei parte das histórias que a envolvem quando falei de Camaquã, uma de nossas paradas no primeiro dia da viagem. Ah, mas deixei a cereja do bolo para esse post. 

Fomos recebidas para algumas horas de histórias e para um almoço por Ivany Serpa, sua proprietária há cinquenta anos. A casa mantém sua estrutura quase que original, com pequenas adaptações. O entorno também se modificou um tanto, mas ao espiar pelas janelas ou pela vigia no alto da escada, somos transportados no tempo. 

Quando a família Serpa adquiriu a residência, em 1965, não imaginava que aquelas paredes robustas guardariam tantas histórias. Para eles era uma bela casa, com alguns móveis antigos e necessitando de reparos. Após alguns anos, entretanto, receberam a visita de um senhor bastante idoso que contava ter ali nascido e que a mesma outrora tinha sido palco de acontecimentos ligados à Revolução Farroupilha. Pesquisa daqui e dali, foram seguindo dicas, buscando informações com historiadores, documentos no Arquivo Histórico até concluírem que se tratava do Sobrado de Don'Anna. 


O Sobrado onde se abrigaram as mulheres da família do General Bento Gonçalves, onde em muitas oportunidades se reuniram os revolucionários, em salas onde tantas e tantas estratégias de guerra se desenharam, estava ali firme e forte para integrar nossa #RotaFarroupilha. 

Há 18 anos Dona Ivany e seus dois filhos resolveram se aventurar no Turismo Rural, oferecendo cavalgadas, almoço campeiro, salão para eventos e, eventualmente, hospedagem. Chegamos com chuva e acabamos não conhecendo a área externa da propriedade e nem aproveitando o passeio nos cavalos quarto de milha criados ali. Curtimos as histórias, visitamos os cômodos da residência e partilhamos de um almoço caseiro. 


A construção de alvenaria, com suas paredes grossas, destoa um tanto da arquitetura que era comum na região lá pelos idos de 1790, quando foi erguida. Um sobrado de pé direito avantajado, cheio de referências maçônicas, junto a área de charqueada, senzala para abrigar os noventa escravos da propriedade e porto. Paredes erguidas de tijolos produzidos no local, a base de barro e sangue de boi para dar liga (matéria prima farta numa charqueada). 

Há, numa das cidades próximas, outra propriedade que se intitula como sendo a Casa das Sete Mulheres, que ficou célebre na minissérie global há poucos anos. Entretanto, como sustenta Dona Ivany, não se trata de um sobrado e, como bem narrado nos livros, a sobrinha querida do General, Manoela, escrevia seu diário junto a janela do "sobrado". Bom, ele está ali, robusto e cheio de detalhes que o identificariam e com as portas abertas para os visitantes. 

Foto: Criz Azevedo

Paredes espessas de 90 centímetros, capazes de suportar a força dos armamentos comuns na época, pé direito avantajado para arejar e afastar a tuberculose e outras doenças contagiosas, grandes e numerosas janelas, bem como seis portas externas, para evitar que aqueles que estivessem em seu interior fossem encurralados, vigias com áreas de mira (para que pudessem ver ao longe e mirar as armas sem ficarem expostos), madeiramento original trazido da Bahia e tantos outros detalhes. 


Do andar superior uma vista privilegiada da região e capaz de na época permitir, quando ainda não havia áreas de florestas exóticas, o monitoramento da Lagoa dos Patos, importante ligação entre as cidades de Camaquã e Pelotas. Devido ao hábito de Don'Anna deixar um lampião aceso na janela superior a noite, passou a ser identificada como o farol da Lagoa. 


Construída em local estratégico e para uma família ligada a maçonaria, jamais foi invadida pelos legalistas, embora tenha sido importante ponto de encontro dos principais nomes da República Rio-Grandense - Bento Gonçalves, Sousa Neto, Gomes Jardim, Canabarro, Giuseppe Garibaldi, entre outros. 

São muitos os símbolos maçons, mas os principais se encontram na sala de reuniões: três degraus para acesso, três janelas e três portas, entre outros. Símbolos ligados aos princípios de fé, esperança e caridade. 




No ano do bicentenário de nascimento de Giuseppe Garibaldi a propriedade foi escolhida para sediar o jantar comemorativo, que contou com representantes do governo italiano e da tataraneta de Giuseppe e Anita. O sobrado foi iluminado para a comemoração, como se vê da imagem.  

Fazenda do Sobrado - imagem de divulgação

Visitamos os cômodos, olhamos pelas janelas e deixamos as histórias passarem por nossos olhos. 

Na hora de ir embora, um registro das Quatro blogueiras na casa das Sete mulheres. 


E os malabarismos e gargalhadas para conseguirmos a fotinho? Obrigada Criz, foste uma abnegada!!! 




Informações:

Sitio Flajoke - agendamento: Carlos, pelo fone 53.32514357.

Caminho Pomerano - agendamento: Secretaria de Turismo, pelo fone 53.32519519.

Fazenda do Sobrado - agendamento: 53.32512141. O custo da visita guiada é de R$ 10,00. A cavalgada sai em torno de R$ 30,00, mas o valor pode sofrer acréscimo no caso de ser incluído o almoço.



Em São Lourenço do Sul tivemos o apoio do Sebrae da Costa Doce.
Fomos convidadas para conhecer a Fazenda do Sobrado, que nos ofereceu a visita guiada e almoço, mas as opiniões aqui expostas não sofreram quaisquer influências. 


 A viagem #RotaFarroupilha é um projeto do Territórios e do As peripécias de uma flor, em parceria com os blogs Café Viagem e Mochilinha Gaúcha, que contou com as participações especiais do Andarilhos do Mundo e da jornalista Criz Azevedo. O roteiro teve o apoio de empresas regionais, como o BC&M Advogados e Agropecuária Sallaberry, além do suporte do Sebrae Costa Doce e de algumas secretarias de turismo. A viagem usou como base o Caminho Farroupilha elaborado pelo Sebrae RS e oferecido, como pacote turístico, pela Tchê Fronteira Turismo, de Bagé/RS. 








8 comentários

  1. amei o post, um roteiro lindo,cheio de histórias reais e vividas tão próximas. Que bom que existem pessoas com o olhar da preservação e de mostrar e contar essa história.

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  2. Adorei a dica! Que legal esse sítio.
    Pena que é tudo tãoooo longe e as férias tão curtas. Já sei, vou procurar um emprego que me dê 3 meses de férias por ano, que tal? Heheheh

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  3. Esse roteiro de vocês está imperdível :)
    P.S.: Adorei a última foto hahaha

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  4. Ando descobrindo tantos lugares novos no nosso Brasil e a vontade é de pegar o carro e sair por aí.
    A Rota Farroupilha está entre as tarefas que tenho que realizar quando voltar a morar no sul.
    Adorei as informações e as fotos!
    Beijos

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  5. Adoro história, adoro "A casa das 7 mulheres", adorei o post!!! hehehe E ainda lembrei da minha vó que fazia um monte de coisa de biscuit!

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  6. Estou adorando esta série da Rota Farroupilha. Um lugar mais lindinho que o outro, e muita historia pra contar. =)

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  7. No início deste post já comecei a pensar nos cenários da "Casa das Sete Mulheres" e eis que ela aparece na sequencia. Adoro estas estâncias e acho que elas são símbolos da nossa história. Adorei o post e as fotos! ;)

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