Eu e Cuba: Diário de Viagem - I


Publiquei trechos de meu Diário de Viagens no facebook, ainda durante nossa estada em Cuba. Não pretendia trazê-los para o Mochilinha, mas foram muitos os pedidos dos amigos para que eternizasse o momento por aqui e, assim, vou fazer. Resolvi que não editarei, não quero alterar a essência do momento em que foram escritos.

Ai vai o primeiro!

Para Flora e Lilian, pelo estimulo de trazer para esse espaço os textos. 

Para Fabiola, que me inspirou a voar para Cuba. Uma amiga querida. 

Para Naiá, minha companheira de descobertas. 

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Meu desejo de conhecer Cuba sempre teve muitas facetas, indo do turístico ao humano, mas pude concluir que tudo que se diga é pouco para explicar uma vida em paralelo. Conversamos com algumas pessoas, inclusive que tiveram oportunidade de trabalhar em outros países, mas que tem dificuldade de entender os sentidos das expressões liberdade e democracia.

Sabe aquele orgulho de pertencer, que gostamos de ter, tipo quando fechávamos os olhos para a violência para dizer que tínhamos o melhor futebol do mundo? Eles estão condicionados a verem na educação e saúde as joias de Cuba. Entretanto, há tantas virgulas e tanto entre elas.

Há mais que pobreza, existe uma miséria que não discrimina. Mesmo quem trabalha com o turismo vive em lugares insalubres. Já não há tantos médicos para o atendimento da população, pois estão em "missões" por países sulamericanos e africanos. Falam em fome, embora as frutas sejam baratas e deliciosas - não lembrava o quanto saborosa podia ser uma banana prata ou uma goiaba vermelha. Com tanto mar não se avistam barcos, só pescadores de varas junto ao Malecón.



Não há um esporte que seja paixão, não há dualidades, não há o "ame ou deixe-o" - difícil para a gaúcha entender como se vive sem grêmio ou inter, direita ou esquerda... Por décadas tudo o que foi oferecido para ser respeitado foi o regime, que não mais encanta e, cada vez menos, assusta. Falam com esperança de Raul....

Sempre acreditei que há diferenças entre as misérias sociais espalhadas pelo mundo, me certifiquei disso em Cuba. Aqui há desesperança institucionalizada, pois as formas conhecidas de ascensão foram suprimidas. O orgulho pelo aculturamento é substituído pela triste realidade, que nivela todos por baixo.


Possuem um encantamento pelo Brasil, pelo gingado e pelo operário que virou Presidente. Falam em Lula e Dilma com naturalidade, mas não entendem como a eleição de Dilma foi tão apertada. As noticias chegam, apenas, pelo canal cubano e pelo sinal venezuelano - talvez isso explique.

Há certa esperança na abertura, embora os mais entusiasmados sejamos nós, estrangeiros. Falam que sem oposição, nada mudará, mas desconhecem os mecanismos para fazê-la. Amam Cuba, independente das mazelas, assim como amamos o Brasil.

Temos, ainda, alguns dias e muitas horas de conversa. A Ná tem um jeitinho especial de quebrar o gelo e dar corda em seus interlocutores, o que proporciona horas de papo e muitas informações.

Cuba me encantou mas me fez perder, entre outras coisas, o sono.



...

10 comentários

  1. ué,escrevi e desapareceu....
    Vou mandar de novo
    Seus texto são lindos e poéticos,agora que conheço a Naiá parece que estou vendo a conversa começando....
    Com certeza esse diário vai inspirar outras pessoas a conhecer Cuba.Eu não me animo acho que voltaria de lá muito triste.
    Beijocas

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    1. Lilian, o lugar é tão lindo, tão cheio de histórias e de vida, que vale a visita. Mesmo as histórias mais tristes são vida, afinal. É cheio de cores e sabores, querida. BjO!!

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  2. O melhor de se viajar é conhecer outros modos de viver e de ver o mundo e questionar todas as nossas certezas.
    Muito bom.
    Beijinho
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Foi uma vivência intensa, transformadora. Pretendo voltar, mas mesmo que jamais retorne, levarei para a vida muito do que apreendi. Obrigada pela visita! BjO!!

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  3. Como as viagens nos transformam, nos surpreendem ou nos dão um banho de água fria, mas sempre, de alguma forma, ampliam os nossos horizontes e nos fazem perceber que os sonhos estão no imaginário da gente.
    Gostaria ter conhecido a Cuba do passado, se é que a do presente ainda é tão distante assim. Veremos...
    Por enquanto vou viajando em seus textos e imaginando a Cuba by Mochilinha ;)
    Bjão

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    1. Essa foi daquelas viagens transformadoras, para mexer com ideologias, reorganizar o tanto que estudei e para mexer com o coração. Reafirmei para mim que liberdade é o que não podemos relativizar, no resto se dá um jeito. Louca que vocês também conheçam Cuba, adoro trocar idéias! BjO!!

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  4. Quando a viagem ilumina :)
    Gostei muito, Paula!

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    1. Quando ilumina, dá certezas e transforma. Inesquecível, querida! BjO!!

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  5. Interessante, viajei pra lá durante 4 meses e tive outro ponto de vista, conversei muito e principalmente com pessoas mais velhas... não vejo "miséria" em Cuba, como vi no interior do Peru, Bolivia, Venezuela, Colombia, Panama, ou até mesmo no sertão do nordeste pra citar países latinos... Acredito que miséria maior são vistas em países como o Haiti por exemplo.. Em relação aos médicos, também discordo, TODAS as famílias são atendidas por médicos familiares e cada médico atende uma quantidade de família, por exemplo 2 quadras, 5 quadras, ou 1 condomínio inteiro depende da cidade, e/ou localização. Talvez vc tenha se reservado a conversar com os mais jovens que cresceram depois da revolução, ou no período especial, nesse caso sim talvez exista um certo sentimento como descreveu, porém, estes não pegaram a época antes da revolução e depois da revolução até que chegasse o período especial (onde realmente os cubanos passaram muitas dificuldades) ... Em relação a liberdade também é meio dificil falar, quem é mais livre uma pessoa que pode deixar sua porta aberta e sair pela rua a qualquer hora ou uma pessoa que vive trancado e não preciso nem falar como é andar nas ruas ( e não falo isso só no Brasil não). Mas além de tudo é importante conhecer a história do país e também os motivos reais sobre as dificuldades impostas... é muito fácil falar em pobreza e tals, quando não se conhece o real motivo... eu tive muita sirte de ficar na casa de cubanos que me explicaram muito sobre o passado e presente e também sobre o genocídio econômico imposto pelos EUA. De qualquer forma, talvez o choque cultural seja muito grande pra turistas que estão acostumados a viajar pra EUA e Europa. Mesmo nós que vivemos no Brasil em grandes cidades ficamos um pouco chocados com o choque de realidades. Talvez valha a pena dar uma conhecida em outros tantos países latinos (fora dos centros urbanos) pra perceber que Cuba nem é tão miserável assim... Parabéns pela viagem! Abraços e desculpe expor meu ponto de vista diferente do seu...

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    1. Lucas, não possuo qualquer problema com posicionamentos diversos. Sim, sou uma estudiosa da história, já viajei muito e para muitos lugares que não estão aqui no blog, inclusive pelo interior do pais. Ao longo de mais de vinte anos de profissão tenho doado muito do meu trabalho aos pobres, já entrei em muita favela e já atendi muito indigente e sei que não preciso sair da minha cidade para ver a miséria a que somos submetidos, ainda que em liberdade - já fiz muito mais do que falei, garanto. Não, não conversei tanto com jovens, mas com pessoas na faixa dos 40/70 anos. E sim, fiquei em casa de cubanos. Entrei e sai de cortiços, sentei em muitos sofás e cadeiras por lá, fui disposta a ouvir e formar o meu entendimento. Tolir o direito de ir e vir é inadmissível em qualquer regime político e se o regime imposto fosse bom, poderiam abrir as fronteiras que o povo lá permaneceria, como permanece em qualquer favela de qualquer país do mundo. Se controlam e proíbem é porque não mais convencem.
      Quanto aos médicos, rasgam elogios ao que tinham mas, ao escolherem exportar médicos para ajudar a sustentar o país, estão minando o sistema, que aos poucos se aproxima do nosso - filas, falta de médicos, consultas desmarcadas. A cubana que nos hospedou foi todos os dias que lá estivemos ao hospital para sua consulta e, em todos, retornou para casa: não havia médico para lhe atender e a consulta agendada era adiada.
      Tudo não passa de visões pessoais e políticas e essas, cada um tem a sua. Essa é a beleza da vida, por isso os homens evoluem, por crescerem também com o que não deu certo. Admitir que o sonho não passava de uma utopia é o que fiz, pois esses sonhos também já me embalaram. Para mim, o regime não deu certo e não só pelo embargo econômico.
      Não admito relativizar misérias, pois é o que fazemos quando dizemos que essa dali, também existe acolá. Sim, existem em todos os lugares, possuem suas peculiaridades e a de Cuba é a falta de liberdade e o medo.
      Como disse, opiniões todos temos. Essa é a minha! Obrigada pela visita. BjO!

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