Uma "Cartilha Positivista", em Porto Alegre: um pouco de história.




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Esse não é um post sobre viagens, mas será uma viagem. 

Dedico pouco tempo para minha cidade, aproveito muito pouco o que ela tem a oferecer, sempre que tenho um tempinho pego a mala e parto. Outro dia estava na cidade num sábado, tinha uma exposição que desejava ver e resolvi ir a pé, caminhando pelo centro histórico, local onde resido, inclusive. Fiz muitas fotografias, não apenas para a postagem que publicaria por aqui, mas para meu acervo pessoal. Minhas andanças daquele dia podem ser lidas no "Turistando por Minha Cidade". Noutro dia resolvi contar um pouco como é minha rua, o que há nela e mais uma vez um simbolo se mostrou - Rua Duque de Caxias, Porto Alegre - um pouco de mim: uma história de sonhos e realizações.


Um dos lugares por onde passei e por onde passo com frequência é a Praça da Matriz, onde estão os prédios dos poderes rio-grandenses. Palco de momentos importantes da vida politica do Estado e do País, se encontra um tantinho abandonada, mas conta com o monumento que considero o mais bonito e emblemático da cidade - é um livro de história em forma de escultura: Monumento a Julio de Castilhos. 





Porto Alegre foi uma cidade com um conjunto de monumentos importantíssimo, que além dos aspectos históricos envolvidos, se perfazia num patrimônio cultural inigualável. Quais razões me fazem flexionar os verbos no pretérito? Pois nada mais está onde ou como deveria estar! E temos falado muito sobre isso, especialmente depois que a empresa vencedora da licitação para manutenção e higienização dos monumentos foi flagrada lavando e pintando cepos e pilastras, sem que as obras lá estivessem - sim, os monumentos de Porto Alegre desaparecem na calada das madrugadas. Além dos furtos, inclusive de obras pesadíssimas em bronze, a pichação se instalou com força e monumentos em praças são alvos noturnos fáceis. Logo, nem o belo monumento no centro da principal praça da cidade resistiu e está lá, lutando para manter sua beleza. 

Julio de Castilhos possui uma importância politica inestimável, tanto do ponto de vista do estabelecimento da República no país, como da organização politica rio-grandense. Então, logo após seu precoce falecimento aos 43 anos, foi determinada a confecção do monumento em sua homenagem, projeto de Décio Villares. 

O conjunto escultório de 101 anos considerou as principais facetas da vida do político, um jornalista e abolicionista que defendeu com todas as forças a igualdade racial e que, com sua visão da separação entre o Estado e a Religião pregou e trabalhou para o estabelecimento da República e de um Estado Laico. Um líder, dos melhores.  O trabalho substituiu outro existente no local, que homenageava um simbolo da Monarquia - como não poderia deixar de ser, não faria sentido a Praça Matriz de uma das Capitais da República manter um simbolo de um poder ultrapassado, no tempo e na história - a escultura foi relegada a um espaço de menor importância na cidade. 

Primeira razão para viajar na história desse monumento e em seus sentidos está em sua beleza, em como atrai os olhares e as lentes dos curiosos. Muitos chegam, dão uma olhadinha, fazem a fotografia para levar de recordação e não se preocupam com os significados. Outros, como eu, procuram detalhes, observam as curvas e ficam curiosos quanto aos sentidos. Tantas e tantas vezes fotografei a face norte (a principal), excelente modelo com o céu azul e a copa das árvores ao fundo. Mas seria isso tudo? Seria apenas um aglomerado de esculturas, no centro de uma praça? O que teria imaginado o escultor responsável pelo projeto?






Foi em busca dessas informações que parti após a última sessão fotográfica, após perceber que sempre que postava fotos desse conjunto ao lado de comentários elogiosos haviam perguntas sobre seu significado. Dizer que é uma homenagem a uma figura histórica por aqui, passou a ser pouco para mim. Então, resolvi partir do homenageado para a homenagem, para seus significados, para a visão do artista. Para quem tiver paciência, o convite para a viagem está feito: bora viajar? 

O conjunto é formado por imagens (esculturas em bronze), frases e datas, simbolizando fases da vida do politico e mudanças ocorridas no Brasil ao longo de sua vida politica. Temos em sua simbologia a primazia da República: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ainda, a vida de Julio dividida em três momentos: Propaganda Republicana - fase panfletária, Positivista - da organização do Governo Republicano no Estado e a Final - após seu afastamento da politica. 

Monumento com vinte e dois metros e meio de altura é tido como uma "Cartilha Positivista". É formado por um núcleo piramidal, tendo ao topo uma imagem da República e no seu entorno um grupo de estátuas. 

Considero que a história ali impressa nasça na face oeste, com a imagem que simboliza Julio jovem, distribuindo exemplares do jornal "A Federação", ainda nos tempos de luta abolicionista e republicana. É a gênese do homem e politico que o Rio Grande conheceria no futuro. *fico devendo a imagem, pois a minha está desfocada! 

A face leste é onde a história se encerra. Embora a morte tenha se dado quando ainda muito jovem, a fase derradeira da vida é simbolizada pela imagem de um velho sábio, de corpo vigoroso e barba longa. De todas, é a alegoria mais metafórica. Essa é minha escultura preferida, aquela que fez nascer o desejo de entender o conjunto, a história e os sentidos desse monumento. Seus traços são fortes, impactantes e é a única que reproduz suas feições - as demais são alegorias. 





Na face sul temos a esperança do povo gaúcho nos ideais republicanos, simbolizada por um jovem gaúcho a cavalo - esperança em dias melhores e a energia transformadora. Ainda, busca simbolizar o prestigio do politico junto ao seu povo. 





Na minha opinião as faces oeste, sul e leste orbitam em torno do principal, da fase áurea do politico, de seus ideais e da nova ordem politica. O principal seria a face norte em conjunto com a estrutura que sustenta e dá forma ao conjunto e que dão o real significado de "Cartilha Positivista". 

As mudanças politicas são simbolizadas pelo Obelisco central, piramidal e em mármore rosa gaúcho, sobre o qual a imagem da República (em sua representação feminina, como na Revolução Francesa: Marianne) com a chama do novo status politico numa das mãos e o Livro das Leis na outra, repousa sobre o Globo com as estrelas que simbolizam os Estados brasileiros e onde se lê "Ordem e Progresso". 






Sendo a face norte a que simboliza a organização da República, há o desejo pela manutenção dos ideais políticos no uso dos lemas "Libertas quae sera tamem" (Tiradentes) e "A sã Politica é filha da Moral e da Razão" (José Bonifácio). Ainda foram inscritas as datas da Revolução Francesa e da Proclamação da República. 




As histórias e ideais de luta de uma vida estão reunidas nas esculturas e detalhes da face norte. Para uma melhor compreensão, costumam dividir em quatro aspectos distintos, mas que dão ao conjunto a força pretendida: a Coragem, a Prudência, a Constância e o Civismo. 




Coragem, a minha preferida da face norte. Como um impulso cego, vem com um dos olhos vendados, com os louros da vitória em uma das mãos e a outra livre, simbolizando o "ir em frente". 




A imagem de uma mulher forte e ao mesmo tempo temerosa, está a esquerda de Julio e simboliza a Prudência, enquanto observa o perigo. Um dragão (simbolo da Monarquia deposta) rasteja em direção a República, como um alerta da eterna ameaça. Sobre essa é comum vermos crianças montadas, brincando, felizes. 






Em alusão a Hércules está a Constância simbolizada - um guerreiro de armadura, com uma pele de leão sobre os ombros, trazendo em uma das mãos três chaves: os três Poderes. 


Uma imagem abraçada a uma bandeira e que se posiciona acima da cabeça de Julio, simboliza o Civismo. 




Julio aparece sentado, ao centro. Numa das mãos um livro. Villares descreveu a imagem como sendo a do politico maduro, após meditar sobre as teorias de Comte, já pronto para agir - foi tido como um realizador, que não construiu idéias, mas que as colocou em prática. Mozart Soares, um de seus biógrafos, não o considera um intelectual, mas um homem que se preparou para a conquista e para o exercício do poder - um idealista. 




O conjunto está fincado no centro da Praça onde estão os prédios dos poderes republicanos do Estado - Palácio Piratini (Executivo), Palácio Farroupilha (Legislativo), Palácio da Justiça (Judiciário), além do Palacinho do Ministério Público e da Catedral Metropolitana. Quando observo o monumento, não consigo deixar de o enxergar dentro desse conjunto, em parte construído após sua instalação. Aos pés do Gaúcho montado em seu cavalo, escultura na face sul, em pedras portuguesas temos um Sol, com seus raios iluminando o Palácio Piratini, que é a sede do Governo do Estado. Da mesma forma, para quem olha do Palácio em direção a Praça, tem como inspiração o simbolo da bravura de um Povo, de sua Energia e Esperança - o Gaúcho a Cavalo. Já o Julio estadista, governante, está de costas para a sede do Poder que representava, mas com os olhos voltados para frente, em direção a principal rua da cidade, quem sabe simbolizando a sua crença num futuro melhor, voltado para o Brasil. As interpretações lançadas nesse parágrafo não estão na Wikipédia (de onde retirei algumas das informações sobre sua simbologia) e nem em outros textos existentes na internet, são observações pessoais sobre o que deve ter partido de algum artista sonhador, que deixo de nominar por desconhecimento. 




Em momentos politicamente conturbados sempre é bom relembrar lutas, o idealismo de outrora, observar toda uma construção simbólica de tempos idos, independente de nossa concordância ou não com a politica levada a termo. Qual será a construção simbólica de nossos tempos, como nossa história será contada pelas próximas gerações? 









4 comentários

  1. Lugar da minha infância. Morava na Riachuelo, na frente do colégio das Dores. Todo o fim de semana ia brincar nesta praça, meu jardim. Quantas vezes subi nos grifos deste monumento? Nem lembro. Doce infância, doce lembrança de uma vida a beira do Guaíba.

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  2. Respostas
    1. Ah, mais uma que pensava que ele é um cavalinho, então? Gosto de ver como se divertem, se jogam de costas e olham para cima, em direção ao cume do monumento. Devem pensar em como é gigantesco e quase alcança o céu, coisas de criança que na idade adulta geral aqueles comentário, tipo "nem era tão alto, afinal"! =)

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  3. hahahaha! É bem assim...A gente acha alto, imponente e qdo cresce descobre que nem é bem assim. Se bem, que neste caso, é mega imponente.

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