Laranjeiras, a Atenas sergipana.


Tem lugares em que a história salta das páginas dos livros, deixa as estantes empoeiradas e dá luz e cores para os caminhos. Em Sergipe vivi isso ao caminhar pelas ruas seculares de Laranjeiras.


Havia ouvido falar dela em apenas dois momentos.

Anos antes, falando com a Cyntia da Fragata Surprise num papo sobre viagens, quando contou um episódio um tanto desagradável, que havia se passado numa pequenina cidade histórica, nos arredores de Aracaju. Guardei os detalhes e, especialmente, a curiosidade acerca das belezas arquitetônicas que ela foi narrando.


Nas últimas férias, entretanto, não havíamos planejado nada especial, quando resolvi que desejava dias de muito sol e mar e fui garimpar, em cima do laço como dizemos por aqui, um local viável. No Brasil, com passagens aéreas que não tivessem custo proibitivo e que fosse uma novidade em nossas vidas. Eis que surge Sergipe, cheio de graça.

Bilhetes em mãos, hora exata de explorar possibilidades. Pronto, aquela cidadezinha das histórias da Fragata ressurge cheia de encantos pelas letras da Silvia, do Matraqueando. Antes das praias e da famosa São Cristóvão, foi ela quem ganhou espaço em nosso breve roteiro.

No dia da chegada marcamos no GPS o destino e saímos, prontas para encontrar muita história, após percorrer apenas 20Km. Num piscar de olhos, lá estávamos.


Tão pequena, mas tão cheia de histórias e vida. Chegou a ser considerada a mais importante cidade sergipana, núcleo cultural e jornalístico de destaque, fervedor de idéias republicanas e abolicionistas. Chama atenção a quantidade de empresas jornalisticas estabelecidas na cidade nos anos de mil e oitocentos. 

A primeira escola de Sergipe foi fundada ali, o Colégio Nossa Senhora Sant'Anna. 

Casa da aristocracia açucareira, foi a cidade mais rica e requintada da província, no Império. 



O Porto das Laranjeiras, após invasão holandesa, retomou seu crescimento e viu ruas serem abertas para a construção de lindos casarões, que hoje são a grande herança do barroco colonial na região. 

A segunda cidade mais antiga do Sergipe teve origem numa vila fundada por padres jesuítas, em 1605. A força da Companhia de Jesus se mantém viva nas paredes dobradas e incansáveis de 16 Igrejas Barrocas. Mas, como tudo que é plural se faz mais forte, conta também com a primeira Igreja Plesbiteriana, do Estado.


Cotada para ser a Capital do Sergipe, quando decidida a transferência da sede do governo de São Cristóvão, apenas foi substituída por Aracaju em virtude de uma manobra politica liderada pelo Barão de Maruim. A politicagem fazendo estragos, há séculos. Sim, Laranjeiras era rica, com a economia baseada na produção açucareira, de mandioca e coco. Não bastasse seu destaque econômico, foi a primeira Alfandega de Sergipe, por onde toda a produção era exportada. Logo, possuía todos os predicados para ser a Capital, porém estava em linha de confronto com os interesses do Barão.

Oportunidade de destaque furtada, ciclos econômicos que perderam forças e o berço de tantos ideais foi ficando por ali, com seus casarões, tantas e tantas igrejas e heranças jesuíticas, além de tradições portuguesas e africanas. Exemplo vivo dos ciclos de desenvolvimento do Brasil Colônia e Império. Sobreviveu para contar muito de nossa história e para encher nossos olhos com o melhor que a simplicidade de paredes caiadas e portas coloridas (às vezes na ordem inversa) podem oferecer.




Ao contrário de tantas cidades históricas que, apesar de belas, não parecem vivas, Laranjeiras pulsa. Há vida nas vozes e passos apressados que ganham ruas de pedras, no burburinho do intervalo das aulas da Universidade e nos sons que vazam por portas e janelas seculares, mostrando que aqueles casarões são, antes de qualquer coisa, lares.


O colonial português, dos séculos XVII, XVIII e XIX, se encontra bastante preservado. O IPHAN tombou o centro histórico, o que impediu a construção de edifícios e manteve as características de outrora.



É considerada legalmente um sitio arqueológico a céu aberto, o que levou a Universidade Federal do Sergipe a instalar ali o Curso de Arqueologia.


E o campus não poderia estar em outro lugar, que não num imponente prédio, ao lado do antigo Mercado Municipal e do Trapiche.


Hora de deixar o carro e pisar nas ruas, muitas ainda em pedra sabão. Caminhar, fotografar e explorar detalhes, é o que de melhor se pode fazer ali.

Encontramos um Centro de Informações Turísticas em reformas e sem qualquer material de apoio, mas com um rapaz cheio de vontade de falar de sua cidade. Ele largou a língua a narrar histórias e com o dedo em riste, apontando para lá e para cá, ia dizendo o que de imperdível havia pelos arredores. Apenas alertou para o risco de trombadinhas nas proximidades das Igrejas mais afastadas - ali entrava a história da Cyntia, narrada nesse post. Cuidado, sempre um mal necessário.

Dali uma paradinha na feira de rua, para garantirmos o lanche da tarde - pitombas, pinhas (ou fruta do conde e muito semelhante ao araticum) e muita água de coco. Farnel assegurado, lá fomos perambular.

Depois de percorrermos as ruas do Centro Histórico, serpenteando por entre casarões, igrejas e prédios públicos, voltamos para o carro e fomos percorrer os arredores de algumas Igrejas.



A cidade possui um conjunto de Igrejas esplêndido. Porém, como era dia de semana, estavam em locais afastados e com arredores ermos, fotografamos uma ou duas e decidimos retornar para Aracaju. Acho super aconselhável verificar o horário dos serviços religiosos, para visitá-las com mais tranquilidade.

As Igrejas que mais chamam atenção são as que estão no alto dos morros, com vista para o rio: a Igreja do BonFim e a Capela do Bom Jesus dos Navegantes.




Tantas Igrejas num pequeno povoado. O que teria levado que tantas fossem construídas? As castas sociais, antes de mais nada. Para os abastados, a Igreja Matriz do Sagrado Coração de Jesus. 


Para os escravos e seu sincretismo, a Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.



Não escolhemos o melhor dia e muitas atrações estavam fechadas. Porém, encontrei pelas ruas o que sempre enche meu coração de alegria, que são os detalhes, os conjuntos arquitetônicos preservados e cheios de vida - pessoas circulando, entrando e saindo, crianças brincando, e tudo o que mantém viva um pouco da vida daqueles que já se foram.



No quesito Igrejas, a gama de curiosidades é imensa. Gostei muito de um trabalho sobre os altares, que está aqui.

Zonas de produção açucareira mantém vivas muitas tradições africanas, pois foram áreas onde a produção exigiu, por séculos, um grande contingente de mãos escravizadas. Em Laranjeiras os rituais do Rosário, de origem africana, lhe tornam referência folclórica. Seus folguedos estão entre os mais tradicionais e importantes do Brasil: Reisado, Guerreiros, Chegança, Cacumbi, Lambe-Sujos e Caboclinhos, de São Cristóvão, entre outros.

Recomendo o passeio a pé, especialmente pelo Quarteirão dos Trapiches - área do porto fluvial responsável pela exportação da produção sergipana no século XIX, e pelos arredores da Praça da Matriz.



Ainda um tanto esquecida pelos turistas, encanta aqueles dispostos a percorrer os poucos quilômetros que a separam de Aracaju.

É um pulinho, de encher os olhos.



Informações:

Sergipe possui duas cidades históricas tombadas, nos arredores de Aracaju. São Cristóvão (30Km), tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade e Laranjeiras (20Km), tombada pelo Iphan como patrimônio nacional. 

Visitamos em dias alternados, iniciando por Laranjeiras, a menos famosa. Estávamos de carro e poderíamos ter feito o trajeto, entre ambas, na mesma tarde - algo em torno de 40Km. 

Há empresas turísticas que oferecem o passeio, feito em vans. Também é possível fazer através de ônibus intermunicipal, a partir de Aracaju. 







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