O Rio Grande e suas portas abertas, um caldeirão étnico: Alemães, os novos Brasileiros!



Muito do estilo do gaúcho está vinculado ao fato de estarmos numa zona fronteiriça, onde muitas guerras delimitaram as fronteiras do país e também proporcionaram uma miscigenação de raças e costumes (portugueses, índios e espanhóis), bem como pelo fato de termos tido levas migratórias importantes, com a chegada de centenas de famílias alemãs, italianas, polonesas, ucranianas, além de um grande número de imigrantes sírios e libaneses (nossos queridos mascates, que se espalharam pela região sul do Estado, na zona de fronteira). Tivemos um mercado de escravos fraco, mas muita proximidade com os indígenas (terra das reduções jesuíticas). Completando as ondas migratórias, ainda recebemos muitos judeus no século passado, que formaram uma colônia importante no bairro Bom Fim em Porto Alegre, além de terem se espalhado, com suas casas de comércio, pelo interior. Ao contrário do restante do país, que foi colonizado por portugueses de diversas regiões de Portugal, aqui a colonização se deu predominantemente por açorianos, o que também contribuiu para que os costumes daquele povo ficassem muito arraigados. 

Quando há festas, grandes eventos ou meras exposições acerca dos povos que colonizaram o Rio Grande, sempre há um tanto de emoção nisso. Mesmo para alguém que como eu não está vinculado diretamente a nenhum dos movimentos migratórios (sou o que por aqui chamamos de "pelo duro", descendentes de portugueses da terra), há uma proximidade, uma familiaridade muito grande. Mais do que um povo que se misturou, somos um povo que se aceitou - mesmo que espalhados por regiões razoavelmente delimitadas, nos aceitamos como parte de um todo. 


O projeto Imigrações Alemãs e sua exposição "Os Novos Brasileiros: os Alemães no Rio Grande do Sul" está em cartaz no Museu dos Direitos Humanos do Mercosul - Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfandega em Porto Alegre e foi por ela que turistei pelo Centro Histórico de minha cidade, como contei aqui. 



Contarei um pouco de meu encanto com essa exposição, muito mais para os amigos de longe, pois espero, de coração, que quem puder visitá-la o faça. Para mim foi uma experiência deliciosa e emocionante. 


Estamos comemorando os 190 anos da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul, quando centenas de famílias chegaram por essas bandas e foram povoar o que conhecemos como Vale dos Sinos, uma região próspera e próxima da capital. Essa etapa também está pelas mesas e paredes do museu, mas não foi a que mais me chamou atenção. E, pelo que pude perceber, não é a que atraiu as pessoas que lá estavam. 


O enfoque relacionado a imigração de Guerra é o principal. O como alemães dissidentes fugiram do regime Nazista para caírem na Ditadura Vargas - os meandros desse deslocamento, os segredos e os percalços após a chegada no Brasil. Está tudo narrado em murais, ilustrado com documentos e jornais da época.


Fora a história da comunidade alemã que se deslocou, genericamente narrada, há uma parte dedicada aos nomes que se destacaram, onde pessoas que se sobressaíram na vida social, cultural, econômica e politica do Estado ganham um espaço próprio. 



Ver personagens serem reconhecidos, alguns ainda vivos, é especial. Um dos nomes mais lembrados é o de Eva Sopher - aquela senhorinha que anda de um lado para o outro no Teatro São Pedro, como se ele fosse a sua residência, que foi a grande responsável por sua reconstrução e que mesmo agora, aos 91 anos, luta para concluir o Complexo Multipalco. Não a conhece? Ela está sempre por ali, junto a porta, recebendo os visitantes antes de cada espetáculo, trabalhando em seu escritório, de capacete visitando as obras do Multipalco, tomando um chá no foyer ou almoçando no restaurante anexo - ela vive o teatro. 




Ela encontrou uma carcaça de teatro incendiada na Praça Central da cidade e conclamou amigos e população para impedir sua demolição, para lutar por sua reconstrução - pôde ser vista de mãos dadas com o povo abraçando o antigo prédio, o que garantiu para todos o nosso pequeno e lindíssimo teatro. O que seria de nosso São Pedro sem a paixão dessa alemã? 


Alguns artistas foram lembrados... 



Conheço muito da história dos movimentos migratórios relacionados com a II Guerra Mundial, especialmente com os que aportaram por essas bandas. Mas, de qualquer sorte, foi gostoso perceber essa história contada naquele espaço, com muitos documentos traduzidos - inclusive cartas pessoais, além de um bom número de documentos, fotografias e etc. 





Sempre evito fotografar as pessoas, mas afirmo que havia diversos grupos visitando o espaço, em sua maioria formado por pessoas idosas que reconheciam naqueles espaços um pouco da própria história e da história de familiares. Me mantive próxima alguns grupos, aproveitando um pouco daquelas histórias de vidas, que se igualavam ou complementavam o que ali estava. 




Acredito que a intenção tenha sido mostrar as dificuldades por que passaram os imigrantes para chegarem até aqui, quais conhecimentos trouxeram na bagagem e dividiram conosco (indústria, artes, educação), as formas encontradas para se adaptarem aos costumes tão diferentes e como, especialmente, se integraram ao povo gaúcho. O trabalho narra a organização social, a vida cultural e esportiva, muito do que deu origem ao que hoje é explorado pelo turismo na Serra Gaúcha e arredores. 




A Era Vargas e seus pecados: carta de Vargas para Hitler.


É muito difícil recomendar exposições, pois o gostar ou desgostar tem muita relação com o gosto pessoal. Mas no caso, por ser algo muito mais histórico do que artístico, acho que cabe, sim, recomendar fortemente. Quando ingressei no espaço, imaginei que rapidamente venceria os espaços e partiria para a próxima etapa do roteiro, mas me perdi por entre aqueles cartazes, aquelas histórias e quando vi duas horas tinham passado sem que eu sentisse. 

Recomendo! 


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