Em dias tão difíceis, quando a discussão política e a reação de tantos me surpreendeu, parei para pensar no que realmente importa, no que é perene. Percebi que, para mim, são os sonhos e as realizações, sou movida por eles, desde sempre. Foram os sonhos e a imensa e inabalável vontade de realizá-los que moveram cada um dos meus passos, especialmente nos momentos mais difíceis. E como é maravilhoso mover-se livre, caminhar!

Em muitos momentos da minha vida os passos me fizeram sonhar, sonhava enquanto caminhava, perambulava por aí... Em outros, foram os sonhos e os desejos que deram ritmo ao andar, eventualmente trôpego. O tempo passou, mas quando olho no entorno percebo que minha vida é um misto de sonhos e realizações, de caminhares...







Uma pequena postagem, sobre um pequeno lugarejo: Monteriggioni. 

Estava nos meus planos dar uma passadinha pela cidade, quando estivéssemos nos deslocando para Siena. Mas o tempo passou rápido naquele dia e queríamos chegar antes do anoitecer, já que tínhamos que procurar o hotel, descobrir onde deixar o carro e, se possível, aproveitar um pouco da cidade. Pensamos em desistir da visita, mas numa das curvas do caminho ela se mostrou e nós, em dias de curiosidade tão aguçada, paramos. 


A cidade medieval é uma graça, mantém suas muralhas e casas preservadas e parece viver ainda no século XIII, quando foi construída. É tão pequenina, que numa rápida caminhada o visitante a atravessa de uma ponta a outra, sem sacrifício algum. 


Mediante o pagamento de uma pequena taxa se pode caminhar por sobre seus muros, onde crianças gritavam e de onde saímos rapidamente. Queríamos ouvir a cidade, o vento em suas curvas, sonhar e ver ao longe. Nos embretamos por entre casas e encontramos um pequeno jardim (que em épocas de batalhas era usado como horta), um silêncio iluminado pelas luzes do final da tarde que já se aproximava, deixamos que o vento nos trouxesse o cheiro da lenha queimada pelo fogo que começava a aquecer aquelas casas de pedras. 





Sentamos para admirar os detalhes das construções, deixamos o vento soprar e, subitamente, o silêncio se fez. Não havia sobre o que falar, era hora de apenas admirar a beleza de uma existência em pedras brutas, simples, mas que permanecem fortes e impávidas apesar das batalhas e do tempo. Sim, serviu de fortaleza contra as tentativas de invasões florentinas, protegendo Siena. 


Não há muito o que ver por aqueles espaços diminutos, além de algumas poucas e pequenas lojas (lembrancinhas, massas, vinhos e sapatos), algumas casas, pousada e restaurantes. A singela Igreja românica de Santa Maria Assunta pouco se sobressai, há um certo nivelamento nas construções. 




Havia, entretanto, uma razão especial para que aquelas pedras frias estivessem em nosso roteiro: "A Divina Comédia", de Dante. Os muros e torres foram imortalizados em Inferno, a primeira parte da obra - complementadas pelo Purgatório e pelo Paraíso. Para Alighieri o inferno seria formado por nove círculos de sofrimento, sendo o mais profundo representado pela imagem dessa cidade medieval: "... e, sobre o muro arredondado, Monteriggioni é coroada por torres, na margem infernal que o fosso circunda, guerreavam os terríveis gigantes, apenas com a metade de seus corpos encouraçados". 


E lá estávamos nós, relacionando aquelas muralhas do século XIII com as figuras de linguagem da Divina Comédia, obra do século XIV, imaginando por entre aqueles blocos de pedras as figuras transformadas em personagens que se eternizaram ao longo dos séculos. 

Como não ganhar tempo e histórias dando uma paradinha em Monteriggioni? Em terras de tantas belezas e histórias, nada do que se faça é perda de tempo, tudo se mostra como presentes para aquele que se dispõe a lançar o olhar. 


Como chegar? A cidade está na estrada que liga San Gimignano a Siena, podendo ser alcançada através de transporte público ou com uso de automóvel, como fizemos - é comum ser visitada em sistema de bate-e-volta, partindo de Firenze ou Siena. É pequenina, pode ser visitada em poucos minutos, mas é uma parada interessante, cheia de histórias. 






Enquanto portugueses e espanhóis que chegaram por essas bandas do Sul se misturaram aos índios e estabeleceram a produção em estâncias e charqueadas, enquanto os libaneses foram se multiplicando com suas casas comerciais, alemães e italianos ocuparam as regiões dos Sinos, Serra e Norte gaúchos, trazendo um conhecimento mais técnico, farta mão-de-obra proveniente de famílias numerosas e muita vontade de "fazer a América" - todos por aqui fomos contagiados e cantamos "Mérica-Mérica", afinal. 

O casal Pedro e Luiza Franzen é um  exemplo, descendentes de alemães, se estabeleceram na cidade de Canela e no período de 1913/1915 construíram uma das primeiras residências da região, o Castelinho Caracol, hoje uma simpática Casa de Chá e Museu. 





Nosso singelo roteiro pela Itália poderia ter contemplado outras pequenas cidades, mas ele foi feito para ser vivido como um poema:


"Desejávamos andar sem pressa, dobrar quinas, namorar esquinas.
Queríamos sentir a passagem do tempo, ouvir o vento, fugir da rotina.
Viveríamos cada segundo como um minuto e não mais horas em milésimos de segundos.
Rodaríamos abaixo da velocidade da via, sentaríamos as margens dos caminhos, 
daríamos passos curtos, ganharíamos tempo, com os cabelos ao vento"! 


Fui contando nossas aventuras, minhas impressões sobre cada lugar e, a medida que as postagens foram sendo publicadas, os amigos foram pedindo dicas, perguntando por onde rodamos, qual nosso roteiro e, então, decidi dar uma panorâmica. 


Estávamos em férias e queríamos nos sentir assim, andando sem pressa, com tempo de sentar e observar os trejeitos dos lugares. Como chegaríamos na Itália vindas de Paris, decidi que Veneza seria nossa anfitriã. Então, depois de um voo Paris/Veneza, chegamos numa agradável noite de primavera. 

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